Impactos da Covid-19 em Contratos Empresariais de Fornecimento

Os contratos de fornecimento se caracterizam especialmente por sua característica de trato sucessivo, ou seja, o contratado se compromete a entregar ao contratante, em determinada periodicidade ou mediante solicitação, o objeto do contrato, comumente insumos necessários para a consecução da atividade empresarial. Sabidamente a Covid-19 provocou extensos impactos no mercado, e subsiste a dúvida sobre como estes contratos reagirão aos efeitos da pandemia.

 

O Código Civil possui diversas disposições potencialmente aplicáveis ante a situação de pandemia vivenciada, mas para tanto, precisamos compreender o que é o tão dito fato de “força maior”. O parágrafo único do art. 393, define que “O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”. Ainda, o art. 478 diz:

 

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

 

De plano, podemos compreender que se o contrato de fornecimento foi celebrado após o surgimento da pandemia, não será possível alegar qualquer medida sob o fundamento de força maior, já que não haverá a necessária imprevisibilidade. Não serão esses contratos que abordaremos, mas sim os firmados anteriormente à pandemia.

 

A atividade empresarial por si envolve alocação de riscos, e para ilustrar uso por empréstimo o conceito de empregado previsto na CLT, que diz no art. 2º que “Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço” (grifo nosso). E nesta lógica os contratos de fornecimento representam negociações onde as partes adquirem direitos e obrigações mútuas, com os riscos inerentes à própria atividade empresarial. Ocorre que a alocação de riscos pelas empresas é realizada em cenários econômicos naturais, que inclusive podem ser de recessão ou crise financeira, mas seguindo a lógica que nossa sociedade conhece, não a apresentada por um problema de saúde mundial. Ou seja, salvo se as partes consideraram expressamente os riscos de eventos de força maior como risco da essência do contrato, é necessária a relativização do princípio da força obrigatória dos contratos, pois não são riscos alocados deliberadamente.

 

Deve-se ainda observar o princípio da função social do contrato, positivado no art. 421 do Código Civil:

 

Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato.

 

O legislador desejou estabelecer limite à autonomia dos contratantes pelo principio que o contrato deve respeitar direitos coletivos e individuais, e no nosso caso, pode ser aplicado inclusive por força de interesse público, como a preservação de empregos, atingindo a coletividade.

 

Ademais, a pandemia pode literalmente inviabilizar a execução do contrato de fornecimento, se a execução dele depender por exemplo, de insumos importados de países que proibiram a exportação do referido insumo, ou mesmo paralisação da estrutura de fabricação ou logística por razoes de determinações que visem a saúde dos empregados, evidentemente de interesse coletivo.

 

Se as Partes no contrato de fornecimento concorrem em ganhos, seja de cunho financeiro seja pelo recebimento de insumo, deve assim, as partes por ocasião da pandemia concorrerem também nos prejuízos.

 

Neste sentido, o Código Civil apresenta diversos dispositivos para solucionar questões relativas ao descompasso da negociação originária em razão de pandemia, vejamos:

Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.

Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.

 

Nos artigos acima apresentados, já podemos concluir a possibilidade plena de revisão das obrigações contratuais, dos valores caso se tornem excessivamente onerosos, revisão da cláusula penal ou mesmo a não aplicabilidade dela, sendo sempre preferência pela manutenção do contrato. Neste mesmo sentido entendo o STJ:

 

APELAÇÃO CÍVEL. ORDINÁRIA DE RESOLUÇÃO DECONTRATO. TEORIA. NOVO CÓDIGO CIVIL. Hodiernamente a teoria contratual pactua-se não mais pela rigidez contratual pauta-se não mais pela rigidez do princípio pacta sunt servanda, mas sim, pelos princípios erigidos no Novo Código Civil, quais sejam, o da função social do contrato, o da boa-fé e o do equilíbrio econômico (arts. 421, 422, parágrafo único do art. 2.035) e na aplicação das Teorias da Imprevisão e da Lesão, arcabouço legal que permite ao Judiciário rever as cláusulas do contrato para restabelecer o equilíbrio sócio-econômico do pacto. Recurso conhecido e provido. (STJ – REsp 858.785 – GO, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, julgado em 08.06.2010)

 

Cabe esclarecer que a análise feita neste artigo é apenas teórica, sendo imprescindível a análise do caso concreto. Por fim, podemos concluir que a legislação e a justiça apresentam soluções jurídicas para a situação atualmente vivenciada pela Covid-19.

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